Ciência e Tecnologia
Facção carioca do Anonymous prefere ações sociais ao invés de invadir sites
O que se deve fazer para encontrá-los é se entranhar pelos caminhos mais obscuros da informática, atrás de perfis falsos que levam a salas secretas de IRC – tipo de chat que ficou famoso na década de 90 – onde se participa de conversas mais secretas ainda sobre a próxima operação de invasão a alguma rede, seja da Sony, seja do governo da Síria.
Também há como procurá-los de um jeito significativamente mais fácil. Doando sangue no Hemorio, por exemplo. Em uma cadeira vizinha, com uma agulha espetada no braço, pode estar um membro do Anonymous RJ, uma vertente dos Anons – como são apelidados – que acha que a cidade já tem problemas suficientes para que gastem o seu tempo derrubando o Facebook.
Você poderá identificá-los mesmo assim. Eles também estarão de máscaras e pedirão para você não revelar seus nomes verdadeiros. Todos têm seus codinomes - utilizados nesta reportagem – mas apenas por um motivo: “Quem somos não é mais importante do que aquilo que defendemos”.
“Para exigir nossos direitos, temos que começar a cumprir nossos deveres como cidadãos”, explica Azek, que, além de ser um dos primeiros integrantes do Anonymous RJ, também é ex-membro do Anonymous internacional.
Busca por conscientização
É nisso que a vertente carioca do Anonymous diz se concentrar. Em vez de vazar documentos oficiais e invadir sites de governos opressores, o grupo decidiu buscar a conscientização da população – tudo dentro da lei. “A informação é livre, é uma questão de você se educar”, afirma o colega de Azek, Incógnito, de 22 anos.
“Se na Europa já existe uma cultura de se informar, buscar conhecimento, aqui no Brasil a população ainda não tem uma cultura nivelada”, diz outro integrante do Anonymous RJ, Bobo da Corte, de 19 anos. “Como eu posso falar com um cara de corrupção se ele já está preocupado se o salário vai mesmo sair no fim do mês?”, questiona.
“É mudar a sociedade de baixo para cima”, complementa Azek. Para ele, o Brasil e o Rio têm questões muitos diferentes das debatidas da Europa e nos Estados Unidos, o que tornaria essencial dar uma nova interpretação aos princípios de liberdade defendidos pelo Anonymous.
"Olimpíadas"
Azek, entretanto, nem sempre pensou assim. Quando era mais novo, hackeava por diversão. Na faculdade, quando estudava Ciência da Computação, participava do que chama de “olimpíadas”, uma competição em que os alunos de cada universidade tentavam invadir os sistemas uns dos outros. Azek então acabou entrando para um grupo de hackers, onde conheceu o alemão Nicholas Bush.
Juntos, eles se tornaram parte do Anonymous logo que o grupo surgiu. Hoje Nicholas é integrante do que Azek chama de “quartel-general da Alemanha” e está envolvido com as operações que tornaram o Anonymous mundialmente famoso, como a ameaça de derrubar o Facebook no dia 5 de novembro.
“Quando formei a minha família, vi que não valia a pena a exposição, o perigo de ser pego”, afirma Azek, referindo-se ao momento em que se casou e começou a pensar em outras maneiras de defender os princípios do Anonymous. Nessa época, ele decidiu deixar a linha de frente do grupo, mas continua até hoje a integrar uma seção chamada Prosec, responsável por cuidar dos servidores do Anonymous durante as operações de invasão a redes.
Anonymous RJ
No dia 30 de julho deste ano, o Anonymous colocou em prática a Operação Onslaught. A ação se deu em diversos países, como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e Brasil, e acabou sendo uma das maiores em mobilização de Anons. Durante toda a noite, pessoas mascaradas foram às ruas com cartazes e panfletos, mas também com disposição de tirar dúvidas da população.
A operação foi parte da fase 1 do “Plano”, um planejamento de atuação que o grupo dividiu em três etapas, a serem cumpridas em um ano. Na primeira, o Anonymous é essencialmente divulgação. Os membros querem que o mundo os conheça, querem mostrar suas propostas, que incluem basicamente conceitos como livre fluxo da informação, transparência e democracia.
Como cada pequena célula dentro do Anonymous decide se comportar, contudo, é outra história. Por não ter uma estrutura fixa de hierarquia, cada Anon é livre para criar novas formas de atuação que se encaixem nos ideias gerais do grupo.
“Os membros mais experientes comandam as operações, mas não há uma pirâmide, o que traz, sim, um risco de que o grupo acabe se perdendo”, confessa Azek. “Ao mesmo tempo, há espaço para debate, o que eu acho essencial. Todos são Anonymous, ninguém está errado”, completa.
Sangue e passeata
E assim é possível que uma vertente como o Anonymous RJ apareça. Formado a partir das pessoas que se envolveram com a Operação Onslaught na cidade, surgiu o braço carioca da organização, que ficou famosa por invadir redes de empresas como a Visa. Mas, em vez de hackear, o grupo prefere ir doar sangue, comparecer à passeata pelo direito dos bombeiros e promover debates.
Mesmo assim, não é só porque essa liberdade existe que certa imagem não predomine. Afinal, o Anonymous que todos conhecem é o do hackativismo.
O Anonymous RJ tem, então, mais um desafio, que é o de lidar com as pessoas que querem se juntar a eles com uma ideia errada do que o grupo pretende. “Muitos nos procuram querendo queimar carros e quebrar tudo. Eles têm a energia, precisam apenas de redirecionamento”, diz Bobo da Corte.
“Queremos mudar a sociedade de baixo para cima, sem agressividade”, explica Azek. Ele defende que não adianta atacar as autoridades, porque é muito mais fácil superar os problemas com a ajuda do governo e da opinião pública. E para ter esse apoio não dá para descumprir a lei.
Mas isso não faz do Anonymous RJ uma ovelha negra, um grupo de desgarrados, eles garantem. Bobo da Corte conta que é uma questão de ponto de vista. Em vez de culpar o governo, eles preferem enxergar que todos nós somos responsáveis, cada um no devido grau.
“É o que o filme V de Vingança fala: se queremos achar um culpado, temos que nos olhar no espelho. Ninguém aqui quer ser herói. Heróis não deviam ser necessários. Eu não acho justo que eu tenha que me sacrificar para mostrar às pessoas que elas devem retomar o poder”, desabafa Bobo da Corte.
Mas, como Azek explica, é exatamente o que eles têm que fazer, porque, se a fase 1 é divulgação, a fase 2 é ação, providências concretas que comecem a trazer mudanças. Mas que ações seriam essas?
“Não faço ideia. Precisamos que as pessoas se juntem a nós para começarmos a pensar.”
Apuração: Maria Eduarda Ornellas
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